Eu faço listas #3
sobre ser uma monstra, índice de transparência da moda e as flores do 8M
1.
Tenho a impressão de que as monstras (como as bruxas) estão em alta no mercado simbólico. Bella Baxter está aí para provar. A protagonista de Pobres criaturas, com sua roupagem cool e pragmática, faz parecer glamouroso ser uma monstra, ainda que evidencie sua natureza solitária. Fora das telas, as monstras são definitivamente menos vitorianas e possivelmente mais passionais. Ocasionalmente vitoriosas, a depender do ângulo de que se observa. Indiscutivelmente criativas — por necessidade, por sobrevivência.
A heterossexualidade cai muito mal às monstras. Elas são nota zero em matéria de comportamento. Mesmo na esquerda, mesmo no feminismo, sempre vai ter gente para desaprovar a falta de pudor das monstras.
A monstra é Dercy Gonçalves. A monstra é Nico, do pós-Velvet Underground. A monstra é Alcione. A monstra é Virginie Despentes.
2.
No livro Departamento de especulações, de Jenny Offill, entre várias citações que compõem a narrativa fragmentária, existe um conselho de Hesíodo que diz o seguinte:
Escolha uma dentre as moças que vivem perto de você, e confira cada detalhe para que sua noiva não se torne a piada do bairro. Nada é melhor para um homem que uma boa esposa, e nenhum horror se equipara a uma esposa ruim.
Em um de meus momentos favoritos de Pobres criaturas, que só me ocorre agora num mix de idiomas, Bella afirma: “Sou experimentadora e defeituosa. I shall need a husband with a more forgiving personality.”
3.
Sempre que eu digo ser uma monstra, minhas amigas dizem que não sou. Por incrível que pareça, existem pessoas que amam as monstras.

4.
A monstra é Regina José Galindo. Um dos projetos de que mais me orgulho de ter participado é o livro Eu não sou a Pizarnik, que saiu pela Flecha em 2021 e marca a primeira edição de sua poesia no Brasil. Na época, integrava o coletivo que fundou a editora, pela qual lancei meu primeiro livro e da qual me desliguei no ano seguinte, devido ao excesso de demandas desta vidalok. Julya Vasconcelos traduziu, Priscilla Campos editou. Eu cuidei da revisão final. O projeto gráfico é de Isabella Alves. Éramos, nesse momento, as quatro flecheiras da parada.
Sempre releio esse livro pelo efeito de reconhecimento que me causa. Lembro de deparar com os versos No soy una mala poeta porque no llego a una / soy una abusadora de la palabra pela primeira vez e pensar na clareza da artista sobre sua escrita: vinculada à experiência, furiosa, algo espontânea. Lembro como, no início, sua poesia me parecia mais relevante enquanto apêndice do seu trabalho performático. Agora, a cada releitura um novo tijolinho do templo desse arrebatamento, reafirmado nos poemas abertos ao acaso.
Não se parece com o que eu escrevo, com como escrevo, mas, ainda assim, essa identificação suprema.
5.
Nota do celular, 8 de junho de 2023: ela é carreira solo. a monstra assusta, a monstra protege, a monstra dá seus pulos. a monstra expande, a monstra apavora, a monstra constrange, a monstra ataca. a monstra ataca. vai pra cima. a monstra intimida. a monstra age. [...]
6.
Eis, enfim, quem melhor descreve as monstras – ou, nos seus termos, as King Kongs:
Me parece formidável que também existam mulheres que saibam seduzir e outras que saibam se casar; que existam mulheres que cheirem a sexo e outras à merenda dos filhos. Formidável que existam algumas muito doces, e outras realizadas em sua feminilidade. Francamente, fico muito feliz por todas aquelas a quem convêm as coisas como estão. E digo isso sem a menor ironia. Eu, simplesmente, não sou uma delas.
[...]
Quando estava desempregada, não sentia vergonha alguma de ser pária – somente raiva. É a mesma coisa como mulher: não tenho a menor vergonha de não ser uma super boa moça. No entanto, fico louca de raiva quando as pessoas tentam me convencer sem parar de que eu não deveria nem mesmo existir. Nós sempre existimos.
(Teoria King Kong, de Virginie Despentes, editado pela n-1 edições)
LISTAS DA SEMANA
6 marcas que pontuaram na faixa de 61% a 70% (e, assim, foram as que melhor pontuaram 😳) no Índice de Transparência da Moda Brasil
C&A
Malwee
Dafiti
Renner
Youcom
Havaianas
Realizada anualmente pela Fashion Revolution Brasil – uma organização da sociedade civil com foco em pesquisa, educação e advocavy no contexto da indústria de moda –, a iniciativa analisa 60 grandes marcas e varejistas do mercado brasileiro de acordo com a quantidade de informação disponibilizadas sobre suas políticas, práticas e impactos sociais e ambientais. É possível ler um pouco mais sobre o relatório clicando aqui e ter acesso ao documento na íntegra clicando aqui.
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4 shows que quero ver no Recife
Ângela Ro Ro (11 de abril, no Teatro do Parque)
Emicida (26 de abril, no Classic Hall)
Ludmilla (20 de julho, no Classic Hall)
Zeca Pagodinho (19 de outubro, Classic Hall)
CLICK
Guia para uso das flores recebidas no próximo 8M | Fotos: Domar
ANTES DE IR
Mais um pouquinho de Virginie Despentes e deste livro que é um colo para qualquer monstra | Vídeo: João Uchôa