1.
Escrever um livro novo de poemas, ainda que curto, não estava nos meus planos para este ano. E se você me dissesse que ele seria publicado no mesmo 2024, eu daria risada. Quando Tarso me perguntou se eu tinha algum original para enviar para eles, que talvez entrasse no cronograma de 2025 da editora, e eu lembrei que tinha um material embrionário, iniciado em 2023 e arquivado sem previsão de ser retomado, mesmo ali eu achava improvável. Estávamos no mês de maio, e eu atolada em escritas e edições de outra natureza, mas combinei de enviar algo até agosto.
Ou melhor, combinei de tentar.
Nos dias de férias que tive em julho, trabalhei nesse engavetado enquanto também escrevia um pequeno ensaio, uma grande amarração de velhas paisagens: silenciamento, racialidade, autoria, autoridade, autorizar-se, teoria literária.
Acho os assuntos muito próximos aos do é feito em círculos, mas sem roda e sem arrodeios. O círculos é contentamento, conciliação. Como eu, por natureza, sou colérica, precisei repetir o mote. Desta vez, com pé na porta, num livrinho colérico.
2.
A juventude (ou seria o ego?), às vezes, é tediosa: esta oscilação vívida entre o deslumbre, a euforia, e a frustração, o buraco sem fundo. Ante o nascimento desse livro novo, magrinho como o primeiro, tento me equilibrar no caminho do meio: nem super-dimensionar nem ficar blasé. Não funciona pois tudo na minha personalidade grita o contrário do que quer que seja um caminho do meio.
Nestas semanas de suspensão que precedem um novo livro, sinto-me: desconfortável, tensa, exausta.
3.
E de fato escrevi certo números deles, a intervalos de um ou dois meses, alguns muito bonitos e outros não. Então descobri que nos cansamos quando escrevemos uma coisa a sério. Se não nos cansamos, é um mau sinal. Não se pode esperar escrever algo sério assim, na flauta, com um pé nas costas, borboleteando leve por aí. Quando alguém escreve uma coisa séria, mergulha dentro dela, se afunda até os olhos; e, se tem sentimentos muito fortes, que lhe inquietam o coração, se é muito feliz ou muito infeliz por alguma razão, digamos, mundana, que não tem nada a ver com aquilo que está escrevendo, então, se o que escreve é válido e digno, qualquer outro sentimento se apaga nele. Ele não pode pretender conservar intacta e fresca sua cara de felicidade, ou sua cara de infelicidade, tudo se distancia e some e ele está só com a sua página, nenhuma felicidade ou infelicidade pode substituir nele se não estiver estritamente ligada a essa página, não possui outra coisa nem pertence a ninguém e, se não for assim, então é sinal de que sua página não vale nada.
(Fragmento do texto “O meu ofício”, que integra o livro As pequenas virtudes, de Natalia Ginzburg)
4.
Voltei a Ginzburg enquanto lia o pequeno inventário dos meus erros, de Cecilia Pavón. Tenho pensado sobre o tom com que escritoras e escritores refletem sobre seu ofício. Existe um senso de clareza nos textos de Ginzburg que começa a me falar mais de perto, como um cochicho amigo, uma partilha. Há algo em torno da seriedade ante o próprio trabalho de escrita, o projeto a longo prazo, que ainda me custa léguas de maturidade, uma vez que sou de uma geração marcada pelo cinismo patológico, pela pedagogia do twitter e pelo escudo dos memes. É sempre mais fácil deslizar para o desdém, fingir que foi um tropeço. Quando, na verdade, custa um bucado; só sabe quem vai lá e faz.
5.
Escrever é o contrário de ter paz, escrever é algo completamente incômodo. Porque, quando escrevemos, um vórtice se abre no céu e a voz de um pai sem autoridade nos grita Do it yourself, do it yourself, do it yourself. Faça você mesmo, ninguém vai te ajudar.
(Fragmento do texto “do it yourself”, do livro pequeno inventário dos meus erros, de Cecilia Pavón)
6.
Tudo isso para dizer que, sim, me sinto tensa, desconfortável e exausta. Mas entendo, finalmente, que é isso que me cabe: acumular tropeços. Que venha o próximo.
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escrever é mesmo o meu trabalho.
"tropeço" maravilhoso, hein? :)