1.
Parece que estou um ímã de carrego de quinta para cá, como se não bastasse o apito de dor no ligamento uterossacro há tantos dias que já perdi as contas, com certeza mais de dez.
Recebi na manhã de domingo este grifo de Luiza, que lembrou de mim. (Ou do meu ego.)
Com frequência, escrevo também para fechar abas na minha cabeça, que se enreda por irritantes e exigentes labirintos de elaboração quando precisa de uma saída emocional para momentos de desalento galopantes.
2.
Sexta e sábado foram dias de absoluta consternação para mim. Muita gente sentiu o abalo, muitas pessoas pretas com quem conversei estavam sem chão. O mix de raiva, tristeza, desorientação e impotência que experimentei nessas 48h foi similar ao que me abateu na eleição de 2018.
E aí eu também escrevo.
3.
Ninguém é a encarnação do movimento negro ou da luta antirracista. Parece óbvio, mas não custa lembrar. O que cada liderança, intelectual, militante constrói, conquista e lega para o bem dessa comunidade deve ser sempre – e sempre mais – reconhecido, difundido e aclamado. Cada um desses personagens importantes, no entanto, segue sendo um tijolo do sonho de emancipação coletiva, pela qual ninguém responde sozinho.
4.
Não será a primeira nem a última vez que irão tentar deslegitimar essa luta. É o que eles fazem. Ganharam boa munição, mas o gesto é o mesmo, é velho, de séculos.
5.
Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Esse é um lugar-comum que não envelhece.
6.
No xadrez político e discursivo deste mundo que criamos, a peça errada no lugar errado pode causar grande estrago.
7.
Nós nos divertimos bastante quando vemos nossos inimigos experimentando a destruição que os mecanismos de poder criam; eles se aniquilam, entre si, nas dinâmicas de grana, ego e afirmação. Julgamo-nos sempre a muitas léguas de distância dos que consideramos odiosos, convictos da nossa virtude.
Esquecemos que há muito em comum na matéria de que somos feitos, os nossos narcisos sempre em teste quando temos algum poder nas mãos.
8.
Ter que ser cem vezes melhor para ocupar certos espaços. Sofrer retaliação cem vezes mais eficiente ao errar. O racismo estrutural é, sim, a nossa morada.
9.
Não estou querendo dizer que um crime seja um simples erro. Estou querendo dizer, repito, que o racismo estrutural é, sim, a nossa morada.
10.
Exigir publicamente materialidade em denúncia de abuso sexual. Tradução: subjugar o corpo de uma mulher se fiando na impunidade.
11.
No sábado, eu me peguei recitando debaixo do chuveiro: “meu coração tem um sereno jeito / e as minhas mãos um golpe duro e presto / de tal maneira que, depois de feito / desencontrado, eu mesmo me contesto / se trago as mãos distantes do meu peito / é que há distância entre intenção e gesto”.
12.
Por essas e outras, esta dor infernal que não passa, não me deixa pensar nem distrair, a da placa do endométrio nômade, no caso, sim, o tecido da parede deste órgão que homens adoram legislar, desses corpos que homens adoram invadir, coberto dessa pele suja à qual se nega espaços e direitos por interminável gozo racista, por essas e outras, sei lá, deu mais vontade de partir para cima.
10.
Ainda bem que tem livro novo para rolar. Meu trabalho é o bastião do meu ego.